sábado, 20 de dezembro de 2014

PÔR DO SOL




É sempre comovente o pôr do sol
por indigente ou berrante que seja,
mas ainda bem mais comovedor
é o brilho desesperado e derradeiro
que enferruja a planície
quando o último sol ficou submerso.
Dói-nos reter essa luz tensa e clara,
essa alucinação que impõe ao espaço
o medo unânime da sombra
e que pára de súbito
quando notamos como é falsa,
quando acabam os sonhos,
quando sabemos que sonhamos.

Jorge Luis Borges

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

AURORA SOBRE O MAR DESCONHECIDO



 
Mãos brancas(meras mãos sem corpo e sem braços)
Acariciando um negro veludo...
Os olhos do guerreiro visto por cima do escudo
 
(Cartas de luto sobre regaços)
E nunca desfraldado o estandarte 
De modo a ver-se que cores e imagens tem...
Mãos sem lágrimas,mãos que nunca seriam de mãe...
Ah, não ser eu toda a gente e toda a parte!
 
Dói púrpuras o silêncio, e que lírios a hora!
E nos tabernáculos das ocasiões um rito de timbres colora
os vitrais das passadas desilusões...
 
Cessou no Oposto o ruído de vagas batalhas
Ficou todo o espaço sendo, com túmulos(brancos)a Hora,
Um suspirar de guizos, com fímbrias de falhas...
 
Abrem-se de par em par impossíveis portões
E desabrocha a ira nos olhos de Artur
Dos vultos, na sombra, de leões...
 
Mas os dias acontecem oráculos neutros
E não há rituais, Princesa, senão de imperfeições...

 
Fernando Pessoa
In Poesia - 1902-1917


POENTE



 
A hora é de cinza e de fogo.
Eu morro-a dentro de mim.
Deixemos a crença em rogo,
Saibamos sentir-nos Fim.
 
Não me toques, fales,olhes...
Distrai-te de eu 'star aqui
Eu quero que tu desfolhes
A minha ideia de ti...
 
Quero despir-me de ter-te,
Quero morrer-me de amar-te.
Tua presença converte
Meu esquecer-te em odiar-te.
 
Quero estar só nesta hora...
Sem Tragédia...Frente a frente
Com a minha alma que chora
Sob o céu indiferente,
 
Basta estar, sem que haja ao lado
Exterior da minha alma
Meu saber-te ali, iriado
De ti, mancha nesta calma
 
Ânsia de me não possuir,
De me não ter mais que meu,
De me deixar esvair
Pela indiferença do céu.
 
Fernando Pessoa
In Poesia